VALMIR ANDRADE - A verdade em cumprimento do dever.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

DE MENINO POBRE A GRANDE EMPRESÁRIO DA CONSTRUÇÃO CIVIL, ELE É CONHECIDO POR SUAS AÇÕES SOCIAIS.


Faz quase três horas que Cosmo Honorato de Souza, 33 anos, espera ser atendido. Sujo, descalço, ele procura com seus olhos estrábicos por Antônio Andrade, mais conhecido na região como "Antonho do Milhão". O empresário está no quintal da casa, cercado de amigos, da família e de outros pedintes como Cosmo, que espera receber algum dinheiro para tirar, diz, uns documentos. “Minha mãe já veio aqui e recebeu uma feirinha.” Lá atrás, Antônio é o epicentro de várias situações que vão acontecendo ao seu redor: dois porcos estão sendo esquartejados pelo alto e tatuado Falcão (“esse aí passou 27 anos na cadeia”, informa o empresário); algumas senhoras
descascam espigas de milho; uma mulher chega com uma criança pedindo um minuto de atenção de Toinho; um garoto observa curioso o grill George Foreman versão jumbo instalado ao lado de uma mesa; dois técnicos instalam a antena de TV a cabo que finalmente vai levar o canal de esportes para a TV LCD. Chega outro pedinte, um senhor meio bêbado, que abraça Antônio e tenta a todo custo falar-lhe no ouvido. O empresário, paciente, tenta se desvencilhar. “Eu já disse que só posso atender vocês às 6 horas.” Os pedintes voltam para a porta da frente. Falcão, as mãos e uma enorme peixeira sujas de sangue, consegue abrir o segundo porco ao meio.
Cerca de 30 pessoas, entre
vereadores, cantadores, policiais, familiares e gente do distrito, circulam pela casa, num entra e sai que exaspera algumas das mulheres responsáveis pela limpeza do chão de cerâmica branca. Ninguém, porém, reclama. Desde que voltou de São Paulo, para onde havia se mudado aos 13 anos de idade, Antônio Andrade tornou-se um misto de herói no lugarejo habitado por cerca de 8 mil pessoas. Ali, com R$ 55 mil e a ajuda de uma congregação católica para famílias da zona rural, construiu seis casas. Usando cerca de R$ 1 milhão do próprio bolso, perfurou mais de 200 poços. Também distribui entre 200 e 300 cestas básicas por mês – custam-lhe mais R$ 20 mil. “As
pessoas vêm aqui em casa e eu dou um tíquete de R$ 50 ou R$ 100”, explica o empresário, que hoje vive numa inesperada ponte aérea entre a pequena Riacho do Meio e a casa em Mongaguá, balneário no Litoral Sul de São Paulo.
A piedade no coração de Antônio, que se filiou ao PTB no ano passado, foi provocada, segundo ele, pela decepção com o poder público do qual agora cogita fazer parte: embora assuma com certa resistência, ele almeja o posto de deputado estadual nas eleições de 2010 ou o de prefeito de São José do Egito. “Penso muito em me candidatar, gosto da política, mas penso em dar muito prejuízo ao povo também. Não tenho boa sensação dos
políticos.” O “prejuízo”, no caso, seria um consequente afastamento do povo a partir de sua entrada na Assembleia Legislativa. “Você não vê político andando por aqui, a não ser em época de eleição”, reclama o empresário sobre a atenção dispensada à sua querida Riacho do Meio. Todos os presentes concordam com o jovem empreendedor, dono de um séquito que o acompanha em suas empreitadas na região, como as festas que patrocina e onde também distribui comida. Vários políticos do Pajeú divulgam sua simpatia ao projeto sociossentimental de Antônio.
Sentado em um sofá verde enquanto é servido de um milho assado, ele conta a sua saga
num sotaque distinto, que mescla Sertão e Sudeste, no qual o “r” é proferido de maneira quase gutural. “Fui embora porque essa região era muito pobre, o povo sofria muito com a falta d'água. Eu coloquei – eu – água encanada para mais de 150 famílias em Riacho de Cima, Pau Leite, Fazenda Nova.” Enquanto alguns homens passam para o quintal levando uma caixa de Red Bull, Antônio aproveita o momento para fazer duras críticas ao um político sertanejo que hoje ocupa um alto cargo estatal. Diz que as estradas locais estão péssimas e que o gestor não conhece aquela realidade porque “só anda de avião”. “Se ele tivesse compromisso com o povo dele,
em vez de tapar buraco só até Arcoverde, devia tapar buraco no semiárido, onde é bem votado. O bom político tem que olhar primeiro a cozinha, a casa dele, a mãe dele, o filho, o primo, o irmão - e por aí você vai chegar no outro. Você não pode esquecer suas raízes. Primeiro começa a arrumar sua casa, depois você entra na dos outros.”
Antônio sabe que fala: atualmente vivendo na residência do sogro, ele se prepara para se mudar até o outro lado da rua, onde seu novo lar, de três andares mais um quarto piso dedicado a um salão de festas, está recebendo os últimos retoques. Vai morar ali com a esposa, Janailda, 23, e o filho, Antônio Júnior, de
pouco mais de 1 ano. É a maior e mais alta casa da Rua Dantas Barreto. No térreo, cedeu espaço para uma filial da Credipajeú, cooperativa de crédito rural que tem sede em São José do Egito. A ideia, diz ele, é dar oportunidade a quem vive no distrito. “Vejo o povo daqui passando muita necessidade. Falta muita coisa no Sertão”, comenta Antônio, enquanto Cosmo, ainda esperando na porta, abre passagem para um grupo de homens que passam para o quintal carregando uma caixa do uísque Teacher`s.
POBRES EM GERAL
A exuberante saúde financeira de Toinho do Milhão (apelido disseminado por um político
local a contragosto de Antônio) teve início quando o sertanejo foi morar em São Paulo, onde, conta, passou a trabalhar como voluntário da Igreja Católica. A oportunidade surgiu graças ao Padre Silva, até hoje amigo da família – durante a entrevista, o religioso ligou para a residência do empresário. Ele também trabalhou no setor de construção civil, além de realizar reformas nas igrejas. Tempos depois, Antônio passou a realizar consultorias para grupos filantrópicos, ajudando o Padre Silva (da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida do Quarto Novo Mundo). Com ele, teve oportunidade de viajar para o exterior: visitou Cabo Verde, o Caribe e a América Latina, onde diz ter visto
“muita miséria”.
Até hoje, mantém relações com grupos como a Congregação das Irmãs Passionistas da Cruz, a Fundação Fé e Alegria do Brasil, as Irmãs Franciscanas, as Irmãzinhas de Santo André e as Irmãs da Providência – a última, a responsável pela liberação da verba para construir as seis casas no Sítio Manda Sai. “Essas entidades trabalham com pobre de modo geral”, explica ele, que, numa invejável e cinematográfica mudança de degrau social, possui hoje a holding AG Consultoria Empresarial, que reúne seis empresas. São 17 funcionários (“incluindo o motorista”), que cumprem expediente num prédio na Avenida Paulista, a 90
quilômetros da residência de Mongaguá.
Apesar de milionário, Toinho não tem medo de circular em Riacho do Meio: diz que, a despeito de seu dinheiro, continua a ter os amigos de sempre. “Eu gosto de beber cachaça no sítio com o povo do mato mesmo.” Usando apenas short e chinelos, ele circula pelas ruas, atraindo a atenção dos moradores do distrito de onde saem pouco menos de 5 mil votos a cada eleição. Conta que já ajudou várias vezes a igreja de Nossa Senhora Aparecida e doou R$ 200 mil para uma universidade em Patos, onde vários jovens locais estudam. Também demonstrou seu grande carinho por sua região ao expulsar um
traficante que teria escolhido o distrito para vender maconha. “A gente foi lá e mandou ele ir embora, não ia dar para ele não.” Da concorrida porta de sua casa, várias crianças vão saindo carregando em sacolas de plástico parte dos porcos destrinchados no quintal. O provável futuro deputado ou prefeito aproxima-se e retira um maço de dinheiro do bolso. Dá R$ 50 para a mulher com a criança, separa uma quantia bem maior para um idoso com a perna engessada, saca mais R$ 50 para o senhor meio bêbado. Aproxima-se de Cosmo, que recebe o mesmo valor e sorri banguelo. “A gente só tem que ter paciência, né?”

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