SANTA TEREZINHA É DESTAQUE EM JORNAL COM 'O' OU "A" ARTISTA LOHANNE (JAILSON ALVES) SUA SEMELHANÇA FEMININA CONFUNDE MUITOS COM SUA PERFORMANCE

Clothing comprado na moderninha Wilton Confecções. Lohanne é sempre uma das garotas mais bonitas. Os homens são simpáticos, oferecem um drinque. As mulheres dividem-se entre amigas (“Que tom de louro é esse?”) e inimigas (“Essa só namora homem casado”).
Enquanto sábado é o dia preferido, hora de chamar e receber atenção, o resto da semana segue numa calmaria quase insuportável para Lourinha, codinome da ex-cabeleireira, que nasceu Jaílson. Sua presença na cidade, quando aparece à luz do dia e sem maquiagem, não provoca grandes reações. A moça que era rapaz é tão comum por ali quanto o padre,
o adolescente de tênis All Star, a dona da farmácia. “Aqui não acontece nada”, diz ela, entre tímida e entediada, sobre a cidadezinha que até 1963 era distrito de São José do Egito. A saída, além da cerveja no Raul's, é a Speed Link, lan house onde ela acessa o Facebook, o Mensagens Virtuais e o Sonico, sites nos quais mantém seu perfil disponível para o mundo – e onde só se pode optar entre “homem”e “mulher” no momento do cadastro. “Sou legal, sincera, simpática, alegre, jovem, bonita, simples”, informa em uma página. “Sou uma pessoa solteira, estou à procura de um namorado que queira algo sério... Por favor enviar foto, ok!”, diz em outra. Passa cerca
de três horas por dia ali, conversando e procurando algo e alguém. De vez em quando, via MSN, um ou outro se espanta quando a moça que quer relacionamento sério entrega seu nome de batismo. “Mas tem disso no Sertão?” Alguns continuam a conversa, outros desconectam na hora. Mesmo assim, Lourinha insiste. Investe cerca de R$ 20 por semana para sair, ainda que virtualmente, de Santa Terezinha. “O que sobra para um travesti? Tem de trabalhar em salão ou se prostituir. Aqui não tem oportunidade.”
Lourinha, os peitinhos se destacando na camiseta após dois anos tomando injeções e comprimidos anticoncepcionais, nunca se interessou por ofertas
de emprego em um dos três postos de combustíveis da cidade, tampouco se vê plantando algodão, feijão, milho, banana ou caju, algumas das bases da produção agrícola que sustenta o município. O trabalho na roça, comum na região e já realizado por seus pais, não faz sentido para a garota que adora scarpins, retoca as raízes do cabelo a cada três meses e arranca os detestados pelos masculinos com uma pinça. O visual dá trabalho, mas ela insiste. “De cabelo curto e preto, pareço uma lésbica.”
Os cuidados valem a pena: é fácil acreditar que Lohanne nunca foi Jaílson. Desde pequena, ela conta, já havia a certeza da condição feminina -
ainda que os pais insistissem em fazer do garoto magrinho, de traços suaves, mais um filho entre os dois outros já nascidos. A certeza de ser mulher – e galega, é bom sublinhar – é tanta que Lohanne descarta, hoje, fazer uma mudança de sexo. “Os rapazes com quem eu fico dizem que eu já sou feminina demais.” Esse corpo de mulher, ambíguo apenas por fora, já provocou a atração de um homem que, mais tarde, ao tomar conhecimento da história de Lourinha, decidiu que apenas a morte da garota legal, sincera e simpática poderia restaurar sua masculinidade. A perseguição foi tanta que Lohanne saiu da cidade e passou alguns meses fora de circulação. Achou que ia
morrer. No Sertão, apesar das Speed Links da vida, de Rihanna cantando Umbrella na boate ou dos tantos jovens circulando com cabelos moicanos e calças justinhas, alguns estereótipos ainda se mantêm – e afirmar a macheza através da bala ou da faca são alguns deles.
PRINCESA DE CETIM
Nem tudo é preconceito, tédio e Twitter na vida de Lohanne. Ela já participou de competições em que o cabelo sedoso, a roupa glamourosa e a maquiagem impecável eram bem mais importantes do que a opinião das competidoras sobre o aquecimento global ou o casamento gay. Usando um top e uma saia vermelhos, após ser
maquiada pela dona de um salão de beleza de Santa Terezinha, Lourinha saiu vencedora do concorrido concurso Miss Gay 2007 realizado em Patos, Sertão da Paraíba. Foi emocionante receber a coroa e a faixa de um óbvio, mas apreciado, cetim rosa. Usando o último acessório, a garota posou para dezenas de fotos enquanto seu pai, hoje um sexagenário que trabalha como pintor, via a novela das seis da Globo sentado numa cadeira de balanço. Não se incomodou com a presença de repórteres em sua casa humilde, onde alguns dos bens adquiridos são exibidos orgulhosamente na estante marrom.
Enquanto Seu Ramiro acompanhava o amor lacrimoso entre Santinha e Zeca Diabo, a filha nascida filho posava vestida com um top de oncinha sob a faixa brilhante. “Eles se acostumaram. Só têm medo que eu me machuque.” O pai não diz nada. Continua a se balançar e olhar para Santinha. A sessão de fotos chega ao fim e Lourinha, que viveu uma quinta-feira atípica naquele dia, volta a ficar séria, meio triste. Para ela, posar na praça da cidade, que parou para observá-la (“Eu tava no fogão, mas corri para cá quando me avisaram que tavam te filmando”, diz uma vizinha), foi uma confirmação de que suas escolhas, apesar de tudo, foram as mais certas. No outro dia,
sabe, voltará a viajar para outra cidade numa ida à lan house. No sábado, vai se maquiar e dançar no Raul's. Não aciona em nenhum momento o discurso do “ser aceita” - ela só quer, de fato, que algo aconteça. “Me disseram para ir morar no Recife. Falaram que eu faria muito sucesso por lá”, diz ela, sonhando com uma cidade onde, assim como em Santa Terezinha, a prostituição e o trabalho nos salões de beleza ainda são as maiores opções para um Jaílson com alma de Lohanne.
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